A Apraxia de Fala na Infância (AFI) pode ocorrer como manifestação primária ou associada a outros transtornos do neurodesenvolvimento, como é o caso do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Isso não significa que todas as crianças terão, mas é muito importante ficarmos atentos. Por quê?
A intervenção fonoaudiológica no TEA é direcionada essencialmente para os aspectos da comunicação social/funcional e para as habilidades de linguagem. No entanto, se houver a associação dos diagnósticos, TEA + Apraxia, a intervenção também deverá contemplar os aspectos do controle motor de fala.
Atenção às crianças com TEA que estão apresentando ganhos desproporcionais, ou seja, apresentam evoluções nas diferentes habilidades trabalhadas pela equipe interdisciplinar, mas na produção de fala, não são se observa o mesmo ritmo de ganhos. Atenção às crianças com TEA que já demonstram intenção comunicativa, mantém algum contato visual, demonstram interesse pela comunicação, mas não conseguem produzir a fala. Demonstram “esforço”, tateio (parece ensaiar os movimentos de fala), apresentam um padrão ininteligível de fala, com instabilidades, com perda de palavras, que apresentam um repertório reduzido de sons (até a produção de vogais pode ser difícil, ou possuem poucas consoantes, e consequentemente poucas variações silábicas).
Toda criança com TEA está apta a fazer um treino motor de fala?
Não. Os aspectos de intenção/iniciativa de comunicação, atenção conjunta, jogo compartilhado, compreensão, comunicação alternativa, antecedem o trabalho voltado para a fala. Não é possível ensinar fala, se a criança ainda não demonstra interesse pela comunicação ou ainda, apresenta questões comportamentais ou sensoriais, que não a permitem um tempo mínimo de atenção/foco. Treinar a fala apenas como algo repetitivo, como demanda verbal, sem o mínimo de participação e engajamento da criança, não faz sentido e não impactará na sua comunicação global. “A comunicação humana é a ferramenta que possuímos para construirmos relacionamentos, gerar conhecimento, descobrir caminhos e oportunidades de troca e crescimento/evolução”.
Qual é o melhor método de intervenção para as crianças com TEA?
Antes de pensar em qual melhor método, é importante considerarmos quais são os componentes essenciais que devem compor a intervenção com a AFI.
A seleção dos alvos que serão trabalhados (alvos que sejam funcionais, que poderão ser utilizados na rotina diária, que sejam do interesse da criança), a repetição (o treino motor é importante, a repetição levará a automatização dos movimentos de fala), a complexidade silábica e a extensão das palavras (iniciar por monossílabos ou sílabas duplicadas, com estruturas consoante-vogal), a aplicação dos princípios de aprendizagem motora (prática massiva x distribuída, manejos dos diferentes tipos de feedback, variação prosódica, organização da prática e da sessão), inserção bem como a retirada das pistas multissensoriais. Os métodos de uma forma geral, nos direcionam para quais pistas devemos usar (se verbal, se tátil-proprioceptiva, se gestual, se visual, etc). Temos métodos já com alguma evidência científica de resultados, como é o caso do PROMPT (“Prompts for Reestructuring Oral Muscular Phonetic Targets), DTTC ((Dynamic Temporal and Tactile Cueing) e ReST (Rapid Syllable Transition Treatment).
E retomando a questão acima? Qual é o melhor método para cada paciente? É aquele que dá resultado. Cada criança terá sua especificidade. É extremamente importante pensar em tratamentos personalizados/customizados, bem como contemplar todos os componentes da intervenção. A participação dos pais, da escola e dos demais profissionais integrantes na equipe será sem dúvida, um caminho de êxito.
A seguir, compartilho com vocês o texto escrito pela Sharon GRETZ, Diretora Executiva da Associação Norte-Americana de Apraxia de Fala na Infância (CASANA).
Produção de fala em crianças com TEA
É sempre útil pais e profissionais se questionarem: “Algo a mais poderia explicar a ausência de fala ou habilidades de comunicação nos quadros de TEA?” De acordo com o Dr. Barry Prizant, há evidências crescentes de que a ausência de fala ou gestos, em um subgrupo de crianças, pode estar relacionada a outros fatores, além do déficit sócio-cognitivo. Uma área que deve ser investigada inclui o aspecto do controle/planejamento motor da fala, e isto inclui a avaliação da praxia oral e verbal.
Presume-se muitas vezes, que o motivo de uma criança com TEA não falar, está relacionado com a habilidade cognitiva de linguagem ou habilidades receptivas. No entanto, Prizant argumenta que o déficit no planejamento motor da fala, também pode estar presente nas crianças com TEA e isso poderá inibir o desenvolvimento da fala.
Por exemplo: algumas crianças com Autismo são capazes de adquirir a capacidade de comunicar de forma significativa por meio de sistemas alternativos de comunicação ou com linguagem gestual, apesar da sua produção de fala ser severamente limitada. Este fato pode demonstrar um domínio quanto as habilidades cognitivas e linguísticas adequadas.
Algumas crianças demonstram os sinais clássicos de problemas motores orais, tais como dificuldade em coordenar o movimento dos articuladores (lábios, língua, mandíbula, etc.), dificuldade de alimentação, dificuldade no controle da saliva (presença de baba).
Alguns sinais são consistentes com um diagnóstico de Apraxia de Fala na Infância. Estes sinais podem incluir: predomínio de vocalizações, pobre repertório de consoantes (consoantes requerem maior habilidade de planejamento motor); algumas sílabas ou palavras mais curtas são produzidas claramente e a ininteligibilidade da fala aumenta para palavras mais extensas (quanto mais sílabas, menos clara será a fala ou então manterá apenas as vogais das palavras); é possível observar diferenças na fala automática e na voluntária (por exemplo, ecolalias podem ser mais claramente articuladas do que as tentativas de fala espontânea). (Prizant, 1996).
Assim como em outras crianças que também apresentam uma fala limitada, ausente ou ininteligível, a avaliação das habilidades de comunicação das crianças com TEA também deve incluir a avaliação do sistema motor da fala e das praxias orais. Dr. Michael Crary delineia uma série de áreas para observação e avaliação clínica, incluindo:
– funções motorais não-verbais: postura global, marcha, coordenação dos movimentos finos, coordenação motora oral, mobilidade oral, postura de boca, salivação, mastigação, estruturas orais, simetria, movimentos automáticos versus voluntários.
– avaliação dos aspectos motores da fala: esforço e tensão durante as tentativas de fala, ensaios visíveis da boca, desvios na prosódia (ritmo, pitch, intensidade, entonação), fluência da fala, hiper/hiponalisalidade, velocidade e pobre coordenação nos movimentos de diadococinesia, por exemplo: repetir: PATAKA E BADAGA.
– articulação e aspectos fonológicos: produção verbal, repertório de fonemas, relutância em falar, inteligibilidade e tipo de erros, processos fonológicos, os efeitos do aumento da complexidade silábica; amostras de fala encadeada; os resultados dos testes padronizados.
– desempenho linguístico: recepção e expressão, tipo de sentenças utilizadas, habilidades semânticas e sintáticas e habilidades de conversação (habilidades sócio-pragmáticas).
Outros: capacidade de sustentar e desviar a atenção, distração.
Geralmente clínicos relatam que pode ser difícil avaliar de forma específica o controle motor oral e de produção de fala em crianças com TEA (dificuldade para analisar o desempenho nas tarefas formais de avaliação). Além disso, algumas crianças também podem apresentar acentuada hipersensibilidade oral. A falta de consciência proprioceptiva e outras questões sensoriais podem também impactar o desenvolvimento da fala. A restrição alimentar que também pode estar presente no Autismo também pode afetar a mastigação, os padrões sensitivos e proprioceptivos, e consequentemente a fala.
Em resumo, todos os aspectos da comunicação, da linguagem e da fala devem ser avaliados nas crianças com TEA, assim como com outras crianças que apresentam outros diagnósticos de fala e de linguagem.
Referências:
Crary, Michael A. “Developmental motor speech disorders”. San Diego, CA: Singular Publishing Group, 1993.
Prizant, Barry M. “Brief report: communication, language, social and emotional development.” Journal of Autism and Developmental Disorders, Vol. 26, No. 2, 1996.
Vail, Tracy. Personal Correspondence. October 2000.
Tradução: Dra. Elisabete Giusti, Fonoaudióloga.
http://www.atrasonafala.com.br
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