Qual CID o Fonoaudiólogo deve usar para Apraxia de Fala na Infância?

Associação Brasileira de Apraxia da Fala Na Infância e Adolescência

Qual CID o Fonoaudiólogo deve usar para Apraxia de Fala na Infância?

O papel do Fonoaudiólogo no diagnóstico da Apraxia de Fala na Infância (AFI) é crucial para entender e abordar esse transtorno de fala complexo.

Enquanto muitas vezes debate-se o uso da Classificação Internacional de Doenças (CID) para esse fim, é importante destacar que o fonoaudiólogo não só pode, mas também deve utilizá-la como uma ferramenta valiosa.

Ele pode e deve usar a CID para um diagnóstico funcional, que difere dos diagnósticos etiológicos e nosológicos, geralmente realizados por médicos e equipes interdisciplinares, respectivamente. Esse diagnóstico funcional fonoaudiológico somado a um diagnóstico etiológico médico é fundamental ao diagnóstico nosológico.

O uso da CID (Classificação Internacional de Doenças) para diagnosticar Apraxia de Fala na Infância ou desenvolvimental pode ser discutido e problemático por várias razões.

O primeiro ponto é que tem sido adotado o termo “Apraxia”, de forma mais genérico, a partir do uso da CID R48.2, na CID-10 (Classificação Internacional de Doenças, 10ª edição), que, apesar de contemplar o termo, conceitualmente está distante dos transtornos do neurodesenvolvimento.

É preciso situar o termo, e uma forma de recuperar o seu eixo conceitual é olhando os ancestrais.

O código CID R48.2 pertence ao ancestral R48 “Dislexia e outras disfunções simbólicas, não classificadas em outra parte”, que por sua vez faz parte do “Capítulo XVIII – Sintomas, sinais e achados clínicos e laboratoriais anormais, não classificados em outra parte (R00-R99)”.

Na CID 11, o código que mais se aproxima da entidade nosológica “apraxia de fala na infância” é o F80.0 “Transtornos da Articulação da Fala”, enquanto transtorno específico do desenvolvimento, cujo grupo ancestral é o F80 “Transtornos específicos do desenvolvimento da fala e da linguagem”, dentro do “Capítulo V – Transtornos mentais e comportamentais (F00-F99)”.

A Apraxia de Fala na Infância é um subgrupo dos Transtornos Motores da Fala (TMF),que por sua vez é subgrupo Transtornos dos Sons da Fala (TSF), que são transtornos da comunicação e, portanto, do neurodesenvolvimento, segundo o sistema clínico classificação dos TSF de Shriberg et al. (2019).

A AFI, enquanto transtorno do neurodesenvolvimento, envolve questões relacionadas a neurogênese, migração neuronal, poda neuronal, sinaptogênese e mielinização, como qualquer outro transtorno deste eixo. Como o sistema de classificação dos TSF prevê, engloba substratos do neurodesenvolvimento que lindam causas distais ou etimológicas e próximas, em relação aos processos de fala.

Esses transtornos (do neurodesenvolvimento) têm suas próprias características e critérios de diagnóstico específicos, que diferem dos transtornos do sistema nervoso adquirido.

Usar um CID de outro eixo, como um CID para transtorno do sistema nervoso adquirido (por exemplo, um CID relacionado a uma lesão cerebral), para classificar um transtorno do neurodesenvolvimento, seria inadequado e impreciso.
Isso pode levar a equívocos no tratamento, na compreensão do transtorno e na alocação de recursos.

Além disso, os serviços e o suporte para transtornos do neurodesenvolvimento costumam ser diferentes dos oferecidos para transtornos do sistema nervoso adquirido. Até para explicações e mapeamentos neurogenéticos, isso pode significar um problema. Além de toda questão envolvendo as comorbidades homotípicas, situadas no mesmo eixo.

A Classificação Internacional de Doenças, em sua 11ª edição, está sendo implementada gradualmente e resolve boa parte dessa inconsistência terminológica e conceitual da edição anterior.

Na CID 11, o código 6A01.0 refere-se diretamente aos “Transtornos do desenvolvimento dos sons da fala”, um termo ancestral muito mais congruente com a Apraxia de Fala na Infância.

Inclusive, o termo AFI aparece já no Browser, no campo de busca, dentro desse código 6A01.0. Aparece já no critério de exclusão a Apraxia verbal (MB4A), não referente à apraxia na perspectiva neurodesenvolvimental, e, logo, análogo ao R48.2 da edição anterior (CID-10).

Nos recursos clínicos adicionais no código 6A01.0, pode-se encontrar a seguinte referência: “O Transtorno do Desenvolvimento dos Sons da Fala pode estar associado à imprecisão e inconsistência dos movimentos orais necessários para a fala, especialmente em crianças pequenas (também chamada de apraxia infantil ou dispraxia da fala), resultando em dificuldade em produzir sequências de sons da fala, consoantes e vogais específicas e prosódia apropriada (entonação) e ritmo da fala.

Pode haver alguma disfunção motora oral associada que afeta a alimentação precoce, sucção e mastigação, sopro e imitação de movimentos orais e sons da fala, mas não com a fraqueza, lentidão ou incoordenação encontradas na disartria”.

Portanto, na CID-11, o código 6A01.0 é o que mais se aproxima. Não apenas na terminologia, mas também conceitualmente da Apraxia de Fala na Infância.

Elaboração: Dra. Ana Vogeley. Conselheira Técnica da Associação Brasileira de Apraxia de Fala na Infância.