Meu nome é Cândida Andrade, sou mãe de Francisco, ele tem oito anos e está no espectro do autismo (diagnosticado aos dois anos e três meses) e tem diagnóstico de Apraxia da Fala na Infância (aos 06 anos e meio).
Neste texto descrevo as minhas impressões a respeito da palestra “THE CHALLENGE OF CO-OCCURRING AUTISM AND APRAXIA: DIFFERENTIAL DIAGNOSIS AND THERAPY STRATEGIES” ministrada na 2016 NATIONAL CONFERENCE OF CHILDHOOD APRAXIA OF SPEECH, SPONSORED BY CASANA: JULY 7-9, 2016, ITASCA, IL.
Se a apraxia de fala na infância e o autismo puros isoladamente já representam um mistério para a ciência, a comorbidade desses parece ser o verdadeiro enigma da esfinge: decifre-me ou serás devorado. Apesar de ter sido reservada apenas uma palestra para enfrentamento do tema, à medida que elas iam sendo ministradas aqui e acolá apareciam vídeos e depoimentos que alardeavam que, por mais desafiador e difícil que seja o diagnóstico da comorbidade, ela parece existir inegavelmente.
Muito do tempo da palestra reservada a este tema foi usado para responder o seguinte enigma: como reconhecer a existência dos dois diagnósticos? Para os americanos, a necessidade dessa resposta exata deve-se ao fato de que cabe ao Estado prover o tratamento ou, pelo menos, boa parte dele. Para eles seria necessário tentar decifrar qual a dificuldade primária existente… O enigma seria: a criança não é um ser sociável porque não consegue planejar e programar no tempo e no espaço a seqüência de movimentos que resulta na fala OU ela não consegue planejar e programar a seqüência dos movimentos da fala porque esta se apresenta de pouca utilidade para ela, criança, pela falta do social?
Se, no mundo real apareceu muita gente levantando o dedinho para dizer “ Meu filho também tem autismo e apraxia!” ou muitos vídeos de terapias foram enunciados com a observação de que aquela criança tinha o diagnostico conjunto, a ciência parece meio que teimar que pode ser que uma coisa seja resultante da outra e não que elas coexistam. Ou seja, o diagnóstico da comorbidade é difícil e está longe de ser exato.
No decorrer das palestras, fui pescando alguns sinais que podem servir de parâmetros para nortear a existência de comorbidade ou servir de bandeira vermelha para isso. Acredito que o primeiro aspecto que se deve analisar é se a criança tem habilidade de imitar. Caso não, essa habilidade deve ser implantada. O grande nó no autismo, não só para a fala mas também para o brincar, reside justamente na habilidade de imitar. Outra dica é a intenção de se comunicar, ela existe? A resposta merece um parêntese, um dos grandes sinais da intenção de se comunicar é a atenção compartilhada, que aparece com a triangulação do olhar (criança, interlocutor, objeto ou o apontar). Um dos grandes dilemas no caso de meu filho era como uma criança com uma atenção compartilhada tão boa como a dele, não conseguia pedir nem água! Fran chegou diversas vezes a me puxar, virar meu rosto para ele e mexer na minha boca, como se dissesse : “Fale para mim!” Então, outra máxima que nunca deve ser esquecida na questão do autismo é que a fala só é comunicação se ela for significativa para o interlocutor, e para isso a criança tem que compreender o entendimento simbólico da linguagem.
Esses problemas – imitação, atenção compartilhada, função da linguagem- são bem marcantes no Autismo, mas na Apraxia de fala pura me parece que eles não são tão evidentes. Daí o segredo do gigante: o que vai determinar a existência das duas dificuldades talvez seja a extensão desses sinais. Lembro de Dr. Marcos Mercadante falando na primeira consulta de Fran: “Que coisa! parece que a informação na cabeça de Fran percorre todo o caminho, mas na hora de falar ela se perde.” Bem, isso era em 2010!
Vários exemplos de Relatórios sobre casos de alguns pacientes nos foram apresentados no Congresso, eles informavam o histórico dos problemas e as recomendações feitas para tratamento. Em todos eles estavam descritos a questão de quais sons o paciente produzia, se a criança seguia comando, em que estágio estava o brincar, como essa criança manipulava os objetos, a linguagem compreensiva, etc. Realmente a análise inicial (serviria) mostrou ser o grande guia para o restante do tratamento. Não consegui perguntar se esses itens, tão presentes na vida de crianças no espectro, eram sempre analisados, ou estavam ali porque aqueles meninos tinham sido encaminhados para averiguação da comorbidade.
Bem, como diz minha mãe: “Se não fez, Cândida, deveria ter feito! Então daqui por diante faça!”
Nesses cinco anos de dedicação exclusiva ao tema, estando eu no outro lado do balcão, digo sem sombra de dúvida que ainda não encontrei uma mãe que não reclamasse de alguma dificuldade de planejamento motor de seu filho no espectro do autismo, nem que seja não conseguir pular corda na mesma velocidade dos meninos típicos, kkkk, para ser bem otimista. Então, se todos vêem a importância do diagnóstico precoce de autismo, fico eu a perguntar por que a apraxia (principalmente porque as técnicas utilizadas são tão especificas) não pode estar presente no check list dos primeiros anos de terapia de crianças que estão recebendo estimulação para minimizar os sintomas do autismo e nas quais os requisitos básicos de imitação e de atenção compartilhada já estejam minimamente presentes e a comunicação pela fala não tenha aparecido. Da mesma forma, se o diagnóstico de autismo é levantado precocemente, o custo beneficio de diagnosticar a comorbidade – apraxia de fala na infância e autismo – não deveria seguir o mesmo raciocínio? Para mim, me parece uma pena não o fazer…